Susana Seabra apaixonada pelo desconhecido

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​Valores: verdade, transparência, honestidade, lealdade

Idade:​ 34 anos

Naturalidade:​ Paredes

Susana Seabra fala-nos da sua experiência profissional no Senegal e Mali e como tem sido a sua adaptação a novas realidades. Responsável de um departamento administrativo e financeiro, encara com leveza um mundo marcadamente dominado pelo masculino. "No Senegal já tenho na equipa uma contabilista... No Mali também gostaria de fazer com que as mulheres que circulam na empresa não fossem apenas as empregadas de limpeza!"

Foi com entusiasmo que recebi a notícia da minha envolvência profissional com o continente africano. De imediato vislumbrei um manancial de oportunidades de crescimento, valorização pessoal e profissional, que vieram a confirmar-se desde então.

A experiência ao longo destes anos de contato, primeiro com a cultura senegalesa, logo depois com a do Mali, é simplesmente cativante. A dada altura, comecei a ir sozinha e a gerir as minhas visitas de forma de atuar por mim própria. Esta vivência tem-me feito sentir uma mulher cada vez mais multifacetada e conhecedora de outras realidades para além daquela que vivemos apenas no nosso país. Mais “rica” interiormente, posso garantir! Entretanto, encaro já com expectativa a oportunidade de, em breve, vir a atuar em Moçambique.

O desafio tem-me feito "dar mais valor" ao que tenho, a relativizar as situações da vida, a aumentar a minha capacidade de adaptação a outras pessoas, culturas, hábitos. Tenho vindo a confirmar sobretudo que se pode viver sem luxos... e que a felicidade pura não passa por "ter" mas pelo "aceitar". A maneira de ser das pessoas africanas com quem contato dá-nos que pensar. Se eles têm muito que fazer, mantêm-se calmos. Afinal de contas, é por isso que existe o dia de amanhã! Mesmo se precisam da Internet para trabalhar e ela falhou, não vivem esta situação como um grande drama, porque provavelmente amanhã haverá!

Tenho vindo a aperceber-me que a ligação daqueles povos à religião é forte, e muito vincada… Consideram que a nossa religião é muito permissiva e que temos mais liberdade. A religião tem um grande peso e quem não pratica é visto de uma forma “menos positiva”. Mas os valores que pretendem incutir a gerações futuras são, na generalidade, os mesmos pelo que tenho vindo a constatar.  

Ficar responsável por conduzir o recrutamento de colaboradores locais foi, inicialmente, um grande desafio! Coloquei um anúncio e confesso que tinha esperança que me aparecessem candidatas do sexo feminino, pois a equipa era extremamente masculina. Sabia que não iria ser fácil obter a aprovação para recrutar alguém do sexo feminino. E não foi, de facto. Mas quando, por ironia do destino, ouvi a minha candidata “de eleição” numa conversa mais informal, a defender as mulheres e a criticar os homens por aproveitarem a possibilidade de poderem ter até quatro mulheres, achei que valia a pena o esforço para convencer os meus superiores a aceitá-la! Isto porque, numa sociedade pouco aberta, haver alguém que se assume com essa posição perante os homens, tem de ter muita segurança e auto-estima!

A introdução de uma mulher numa equipa masculina fez toda a diferença: equilibrou-a, mostrou a competência e a (igual) capacidade de uma mulher num mundo marcadamente de homens. Eles têm mais respeito, acatam melhor as suas ideias, sugestões e ordens, ela é mais paciente, mais calma, mais sensível, sabe ouvir ambas as partes... (sensibilidade feminina, acima de tudo). E os colegas que partilham o escritório com ela reconhecem-no! 

A cultura, só por si, tem muitas coisas diferentes. Logo, isso reflecte-se também na postura das pessoas. Fico sempre surpreendida com a preocupação que todas têm em agradar aos seus maridos... Mas parecem-me felizes, pelo menos, e isso é o mais importante. Embora entenda que haja muita coisa que não lhes seja permitida (inclusive o dizer que não são "felizes") as mulheres mais jovens começam já, por exemplo, a não aceitar partilhar o seu marido com mais três mulheres. E isso tem a haver com a sua independência, com o facto de arranjarem um trabalho com muito mais facilidade hoje em dia, além de qualificado.

Aliás, há muitos homens que querem casar com várias mulheres, porque depois as põem a trabalhar e sustentam-nos. Por isso, quer no Senegal, quer no Mali, as mulheres são muito vaidosas e gera-se como que uma “competição” curiosa para ver quem consegue andar mais atraente. A sociedade também “condena” as mulheres com mais de 25 anos que ainda não casaram. É sinal que há qualquer coisa com a mulher que não está bem. Por outro lado os homens pensam que, se se casarem com uma mulher, lhes fazem um favor.

Sinto que o Senegal já tem um bom ensino e a sociedade nota-se crescentemente mais “aberta”. Afinal de contas, o Senegal é uma cidade plataforma para os países de África do oeste. No Senegal já tenho na equipa uma contabilista... e no Mali também gostaria de fazer com que as mulheres que circulam na empresa não fossem apenas as empregadas de limpeza!

Houve algo que te tivesse marcado de forma mais negativa nesta experiência?... O nível de corrupção nesses países chocou-me, devo admitir…

A atitude do meu pai foi marcante e decisiva no meu percurso: o seu machismo, a sua ideia de que as mulheres não percebiam nada, e que deveriam ser elas a executar as tarefas domésticas, independentemente de trabalharem também ou não… Isso, sim, fez-me enveredar por caminhos que me permitiram lhe mostrar o contrário… e foi isso que me moveu. E, também por isso, luto pela igualdade!!

Sem dúvida que, quer no Senegal, quer no Mali, me sinto num mundo de homens. No início, quando escolhi a minha área profissional (economia), também achava que ia ter de me diferenciar para singrar num mundo tipicamente dominado pelo sexo masculino, mas com o aumento de mulheres no ativo e na área financeira, essa percepção mudou.

Ter de viajar para um país em trabalho é, para mim, e para além disso, fazer turismo de pessoas (apesar de estar também com colegas expatriados). Tenho oportunidade de contactar com culturas diferentes, perceber os seus pontos de vista, as suas dificuldades e vivências... um tipo de turismo que recomendo, que nos preenche e nos faz mais multifacetados culturalmente.

Reconheço que o futuro está na Ásia, em África e na América do Sul. Infelizmente, isso significa que em Portugal ficam muito poucas oportunidades de trabalho... Há imensos expatriados a trabalharem em África.. e isso significa também famílias despedaçadas, crianças a crescerem sem a presença física dos pais e outros efeitos nefastos do cenário de hoje em dia… Mas, de facto, temos de admitir, que podemos contribuir muito para África. Há todo um know-how que podemos partilhar. Recomendo passar a ver as apostas desta forma, no que temos para dar e partilhar.