Valores: humanidade, assertividade, paixão
Idade: 32 anos
Naturalidade: Porto
Quando pequena, marcava espetáculos nas barracas de praia das vizinhas da avó. Depois, vieram as aulas ballet, mais tarde as de dança... E foi na dança, que Mariana Ferreira descobriu a paixão da sua vida e fez carreira. Hoje, é proprietária da escola Apolo Porto, onde há mais de 15 anos ensina danças, tendo no dois últimos inovado com a criação de aulas de zumba e burlesco apenas para mulheres: "quero dar-lhes segurança para elas se libertarem, serem as mulheres que há dentro delas."
Desde pequena que me lembro de ir para a praia, no Castelo do Queijo, e naquela hora de se fazer a digestão, marcar espectáculos nas barracas das vizinhas da minha avó. Cantava, dançava... Sempre me fascinou o mundo do espetáculo.
Uma das vantagens de se começar a dançar desde cedo é que, quando somos mais pequenos, não temos vergonha. Na fase adulta, temos uma noção da sociedade, daquilo que as pessoas esperam de nós, que nos retrai sobretudo quando decidimos extravasar a nossa alma de artista. Nas minhas aulas noto, por exemplo, que os miúdos na idade da pré-adolescência já começam a querer esconder o corpo, a ter mais dificuldades em ser protagonistas. Se tivermos uma relação excelente com o nosso corpo, e assumirmos o que somos, não teremos problemas. Mas no nosso país, isso por vezes é difícil...
Ser avaliada nunca foi um problema para mim. No ballet, tentava mostrar todo o trabalho que fiz durante o ano. A primeira vez que pisei uma pista de dança, descobri que, para além do público estar muito mais próximo, podia interagir com ele. Aí tive a verdadeira noção que estava a competir com outros. No meio de doze pares, tinha que ser melhor do que outros. Isso dá-nos um estímulo diferente e o próprio público reage de forma diferente.
A dança pode ser uma terapia a vários níveis. É um exercício físico, mental e social. “Exercito o meu corpo, sou obrigada a decorar esquemas e a ter que me relacionar com pessoas.” A dança é uma das actividades mais completas para o ser humano e que mais pode contribuir para o seu bem-estar.
Estar num espaço e pertencer a um grupo que sente a nossa falta, é infelizmente uma raridade na sociedade de hoje. Para mim, é importante criar uma relação com as pessoas e fazê-las sentir que elas são esperadas e têm o seu valor. O grupo que a acompanha está a sua espera para poder privar, brincar, dançar... durante uma hora e meia.
Ganhar a vida a dançar aconteceu naturalmente. Quando comecei a dançar, eu e o meu par (um dos) fomos uma revelação nesses anos, e a partir daí fomos sempre finalistas a nível nacional. Os alunos do Apolo decidiram então apostar em nós, e comecei a ter formação para dar aulas. Dar aulas foi a forma que arranjei para suportar as despesas da dança. Nunca pensei que se iria tornar tão sério. Passados 15 anos, acho que valeu a pena.
Entrar em outras áreas que não as danças de salão teve a ver com necessidade da inovação que é necessária em qualquer estrutura. A partir de 2011, para além de ser a professora responsável, passei a ser proprietária da escola, quis trazer algo de novo e tive o conhecimento da zumba, que era um fenómeno mundial. Fiz formação, e fomos a primeira escola de danças a ter zumba.
Decidi criar, por isso, uma turma apenas para mulheres. Acho que, por vezes, as mulheres não se podem tratar de si mesmas porque ir ao ginásio existe algum voyeurismo e queria proteger as mulheres nesse sentido, dar-lhes segurança para elas se libertarem, serem as mulheres que há dentro delas, soltarem o "grito do ipiranga", e poderem encarar as tarefas do dia a dia com outro ânimo. Mas também tenho aulas de zumba mistas, os homens acabam por sentir a mesma necessidade.
Com o avançar dos tempos, e porque queria preparar uma surpresa para o dia da mulher, surgiu a ideia de dar aulas de burlesco. Procurei uma professora da área, mas a linha de burlesco que eu gosto não é a que é praticada. Gosto da dança feminina, sensual, com o seu sentido de humor, com um lado cómico e provocador, mas não provocante no sentido de se fazer um strip. Quero que a mulher explore o seu corpo, que se sinta bem nele e que não se esconda atrás de uma cadeira. Depois com os conhecimentos que eu tinha do ballet, das danças de salão e a capacidade de criar coreografias, naturalmente assumi que iria ser eu a dar a aula.
Os meus segredos para a concentração quando a música toca? O meu maior segredo é que eu amo o que faço. Quando isso acontece, o nervoso ajuda-nos a agir, é um impulsionador do movimento e não o contrário.
A dança é para toda a gente, todos os géneros, faixas etárias, é para a família... É importante ter uma actividade que nos permita conviver com gente tão diferente. É fantástico ver pessoas que jamais falariam umas com as outras e ver a relação que criam entre elas, e que num contexto que não este, era difícil acontecer. As pessoas acabam por trazer imenso e levar imenso com elas.
A potencialidade de cada um para dançar varia obviamente, mas tudo se aprende. O ouvido é mais difícil de educar, a própria prática ajuda-nos a dominar a matéria. Costuma-se dizer que a dança é 99% transpiração e 1% de inspiração. Por mais talentosos que possamos ser, se não houver trabalho dificilmente vamos singrar.
A minha dança preferida? Sem dúvida, o paso doble. É a dança mais completa, a que me faz vibrar mais. Tem uma música com uma métrica especifica; depois traz toda aquela tensão e emoção de uma tourada (sem com isto dizer que sou a favor das touradas). É a dança na qual conseguimos ser muito mais intérpretes, em que conseguimos encarnar um personagem ao mais alto nível.
Há uns anos atrás havia um anúncio da Coca Cola em que a lata se mexia sempre que era tocada uma música. O efeito da dança é esse, viramos lata da Coca Cola... Ou pior, às vezes temos a música na nossa mente que parece sempre que estamos a treinar. Todos os momentos servem praticar e aperfeiçoar um gesto específico. As pessoas ganham esse tique, mas em contrapartida tornam-se mais confiantes e com uma maior auto-estima.
A forma como passo a inovação aos meus alunos é muito importante. Perceber cada aluno e tentar aprender com as dificuldades deles é a melhor metodologia. Quando não consigo passar uma ideia, um passo, a falha é minha que não estou a saber transmitir. É essa procura incessante de encontrar a forma mais eficaz de ensinar um movimento e na desconstrução do mesmo, utilizando exemplos do quotidiano. É nesse encontro que conseguimos inovar e recriar.
Dançar faz-me sentir feminina. No meu caso, quando danço posso ser mulher sem que ninguém me critique por isso. Estou a desenvolver uma arte. Enquanto que no resto, infelizmente as mulheres ainda são muito obrigadas a ser recatadas, na dança podemos abrir os braços, o sorriso, mexer e isso, de facto, é arte...
As mulheres sentem-se atraída pelas danças de salão por poderem ser elas mesmas sem medos. Com os homens é o efeito contrário, enquanto que a mulher que vem dançar e se exprime é uma artista, um homem que vem dançar “tem ali um problema qualquer”... Quando não é verdade, a dança é uma relação entre os dois, duas pessoas... Não pode haver nada de duvidoso sobre isso.
É engraçado que são as mulheres que arrastam os homens para as danças e depois são eles que até se tornam mais apaixonados e fiéis e, muitas vezes, vêm sozinhos às aulas... mesmo porque a mulher, fruto da vida profissional e doméstica, cede mais facilmente a um dia frio, a um dia de chuva...
Para colmatar a minha paixão de criança, tinha que cantar e representar. Talvez no futuro, vá fazer teatro musical... A paixão para a vida, porque é o meu projecto de vida. Se eu pensar na minha filha, dei aulas grávida até ao ultimo dia... Ela é o prolongamento da minha vida e da minha paixão pela dança. Está sempre a dançar. É mais do que evidente que esse gene passou e está lá.
Photos © Pedro Couto