As 'Meninas do Bairro', como são conhecidas, nasceram no Porto e é nesta cidade que querem continuar a viver e a fazer a diferença. "Julgamos conhecer bem este grande 'bairro', portanto, pretendemos criar emprego aqui, dinamizar as redes culturais e artísticas que existem aqui, fomentar a partilha de conhecimento , dar voz a quem é daqui". Através da Culturprint, Inês, Catarina e Isabel têm conseguido tornar isso uma realidade, dinamizando "este espaço, que é mais emocional do que geográfico", como costumam dizer.
A Cultureprint nasce da ideia de três mulheres de áreas e formações distintas mas que actuavam no mesmo sector, que se cruzavam frequentemente em contexto de trabalho, que partilhavam uma mesma ética e uma mesma vontade de criar o próprio emprego, e que decidiram unir esforços para desenvolver uma oferta concertada na área cultural.
Aconselhadas pela Consularte, decidimos partir para a figura jurídica da cooperativa, que nos pareceu o melhor modelo para nós e para o tipo de trabalho que pretendíamos desenvolver. Daí até à incubação no PINC- UPTEC foi um passo e a integração na rede da Universidade do Porto, uma marca que nos diz muito, sendo as três produto desta Universidade, ajudou à afirmação do nosso conceito. Os livros foram nascendo, as acções foram crescendo em tamanho e em visibilidade.
O Bairro dos Livros nasce, inicialmente, tendo por objectivo promover a leitura e celebrar o livro – uma missão que é também a da Cultureprint – e que nos permitiu apoiar essa rede informal que existe no Porto, que é a dos livreiros e dos alfarrabistas. Nasce também para criar uma alternativa à oferta de eventos na baixa da cidade que, até essa altura, estavam maioritariamente ligados a outras áreas da cultura. Era necessário dar forma a um Bairro que, fundamentalmente, esteve sempre lá, mas escondido, clandestino, sem divulgação, sem oportunidades de se comunicar. E, então, promover novas redes, gerar outras dinâmicas essenciais ao desenvolvimento de conteúdos e produtos culturais e artísticos, a partir dos agentes já implantados na cidade. Pusemos tudo a mexer: editores e livreiros, mas também clubes de leitores, associações culturais, artistas plásticos e cinéfilos, escritores e realizadores de cinema, declamadores e bailarinos.
Estava a faltar no Porto um projecto deste cariz. Um pouco como aconteceu com a Cultureprint, que é a única cooperativa no Porto especializada na comunicação da Cultura nas suas várias vertentes, da edição à produção, passando ainda pela assessoria de imprensa, foi exactamente ao termos percebido essa necessidade que nos surgiu a ideia de desenvolvermos o projecto. O Porto tem uma alma própria.
O Bairro dos Livros é, na sua natureza, perfeitamente transversal: dos graúdos aos mais pequenos, há sempre actividades para todos os gostos e idades. Do ponto de vista da Cultureprint, importa destacar os serviços dedicados aos artistas e aos escritores, assim como a entidades promotoras de cultura e outros agentes culturais.
Em três anos de projecto que lições levamos? Mais do que aquelas que se podem enumerar numa curta resposta. Lições de vida, muitas. Lições profissionais também. Sobretudo, a certeza de que a persistência e essa garra para acreditar quando mais ninguém acredita serão sempre uma das nossas maiores batalhas. É preciso lutar o caminho todo e saber viver os fôlegos que tornam a estrada mais fácil e os momentos de maior dificuldade, em tudo parece impossível. Afirmarmo-nos, a partir do nada, num contexto de crise, num dos sectores que mais sofre com a crise, implica uma grande dose de coragem e de criatividade. Mas nós pertencemos a uma geração que primeiro faz e só depois pergunta se o pode fazer e vai atrás do subsídio, do apoio. De outra forma, o Bairro dos Livros nunca teria nascido. E, afinal, hoje, já ninguém o deixa morrer.
É no próprio Bairro que encontramos geralmente resposta ao que é preciso fazer a seguir. Os bairristas são todos muito participativos. As pessoas, em geral, dizem-nos o que precisam: basta ouvir.
O evento Letras na Avenida realizado em substituição à feira do livro e de que vocês foram parceiras, veio mostrar que nesta área é preciso ter eventos alternativos para captar novos públicos. Estão de acordo?
É sobretudo bom perceber que há sempre outras maneiras de fazer as coisas e que de uma experiência podem nascer novas ideias e novas alternativas ao que já existe. Há lugar para tudo. Para nós importa oferecer também conteúdos e não apenas fazer rede a partir do que já existe, porque isso não gera dinâmicas e não traz nada de novo – gostamos de meter a mão na massa, puxar pela cabeça e desenvolver novas soluções, novos produtos, novas formas de comunicar os livros, novas actividades para juntar as pessoas. É disso que se trata este trabalho.
Não que existam dados muito actualizados sobre os hábitos de leitura em Portugal, mas já se tornou um lugar comum falar do que não se lê, do teatro que não se vê...Criar hábitos de leitura não é apenas fazer Horas do Conto e pôr os livros à frente dos miúdos, mas é antes levá-los a ouvir saxofone numa livraria, é pô-los junto a pessoa que adoram ler, é apresentar-lhes o Sr. Herculano, que vende livros há décadas e conhece as lombadas como ninguém, é pô-los a pescar poemas num jogo de perícia ou oferecer livros como prémios do jogo da lata e fazer com que não sejam fáceis de ganhar.
Os livros em papel estão para ficar?...Já provaram que sim. Vão ser outra coisa, ao que tudo indica. Mas continuarão e coexistirão com novas formas de concretizar e expressar a literatura. Vivemos tempos estupendos. Publicar um livro é mais do que imprimir ideias num papel, é dar voz àquele autor, é cumprir o objectivo daquela publicação. Muitas vezes, é dar forma a um sonho pessoal e antigo.
Dos nossos serviços fazem parte as duas versões do livro: a tradicional, sendo que nós gostamos de pensar que os nossos livros nunca são tradicionais, e a digital. Estamos sempre à procura de fazer a diferença.
Novos escritores batem-nos à porta porque querem um livro diferente, um objecto único, uma edição cuidada, personalizada e à sua imagem. Cada vez mais os nossos clientes recorrem à edição de autor não porque sejam recusados por outras editoras, mas porque querem uma publicação com características especiais, que só faz sentido num círculo mais específico e com tiragens mais pequenas, que façam da obra um produto distinto e raro. Por outro lado, percebemos que lhes interessa pensar o evento de lançamento, a comunicação do livro, o posicionamento do autor no mercado, a imagem da obra recorrendo a uma equipa multidisciplinar e com provas dadas ao nível da criatividade e do alcance da comunicação. Nesse sentido, o Bairro é uma rede nobre e uma montra boa daquilo que somos capazes de fazer com orçamentos low-cost.
Recentemente, fomos promovidas num artigo de jornal a “senhorias do Bairro” e achamos que até nos fica bem! O tempo foi-nos permitindo afinar agulhas e complementarmo-nos ainda mais naquilo que são os pontos fortes de cada uma. O saldo é positivo.
O nosso lema é comunicar cultura. Temos outro, mas não é politicamente correcto: “Se nos dessem 5.000€ fazíamos uma revolução” – mas isso é só porque estamos tão habituadas a fazer omeletas sem ovos, que achamos que seria maravilhoso um dia ter um orçamento normal para trabalhar.
Que escritores/as nos inspiram? Todos aqueles que nos deixaram uma herança literária, uma visão poética do mundo e da amizade e um exemplo cívico para o qual podemos olhar quando nos desorientamos.
Para os próximos 3 anos, o que esperamos desenvolver? Isso é segredo, mas há muita coisa na calha! Ainda vão ouvir falar mais de nós. E o Bairro só vai crescer em diversidade e tamanho.



