Valores: confiança, gratidão, empenho, alegria
Idade: 40 anos
Naturalidade: Porto
O FUTURO – projeto das 100.000 árvores, de que Marta Pinto é mentora, trouxe mais qualidade de vida à área metropolitana do Porto. Uma iniciativa coletiva, premiada internacionalmente, que prova que a participação de diversas entidades e cidadãos podem fazer a diferença para um mundo mais verde. Mas porque para manter uma floresta nativa "não basta juntar água" a bióloga acredita que é preciso mais acção, "este é um trabalho de todos".
Uma grande parte da minha paixão pelo ambiente foi ‘herdada’ do meu pai. Ele sempre foi muito sensível às questões ambientais e à natureza e incutiu-me esse espírito. Depois, ainda em criança, fui numa visita escolar à entidade que geria (e gere) os resíduos na área do Porto (Lipor) e tive uma epifania: como era possível que um pequeno saco de lixo, como o de lá de casa, em conjunto com todos os outros, resultasse numa montanha? Nesse momento ficou gravado em mim o impacto da ação individual.
A ideia de plantar e cuidar as florestas urbanas com espécies nativas e em colaboração com os cidadãos é uma ideia coletiva que nasceu numa reunião do Centro Regional de Excelência em Educação para o Desenvolvimento Sustentável da Área Metropolitana do Porto (CRE.Porto). Esta plataforma tem como missão promover a educação e ação para a sustentabilidade na região e reúne com regularidade. Foi assim que surgiu a ideia do FUTURO – projeto das 100.000 árvores. No final de 2010, e com base em estudos prévios feitos também em colaboração (Plano Estratégico de Ambiente da Área Metropolitana do Porto) decidimos que seria interessante fazer um projeto desta natureza. Não sabíamos ainda como, com quem, onde, quando. O meu trabalho – a partir da universidade - foi o de agregar as vontades e recursos dos diversos parceiros para definir uma metodologia de trabalho e impulsioná-la.
Numa conferência na Suécia a que assisti em setembro de 2007, colocou-me em contacto com um enquadramento metodológico desenvolvido pela Universidade das Nações Unidas no qual o nosso trabalho encaixava na perfeição. Regressei ao Porto com o sonho de que a nossa região criasse o seu próprio Centro Regional de Excelência em Educação para o Desenvolvimento Sustentável. Felizmente a ideia foi muito bem acolhida cá e, depois de algum trabalho, isso veio a acontecer em 2009.
Acredito firmemente que sair do nosso canto nos proporciona novas perspetivas. Contactar com situações, pessoas e projetos novos permite-nos olhar para os nossos próprios contextos, projetos e oportunidades através de uma nova lente crítica. Aprendemos a valorizar o que temos de positivo e inspiramo-nos para novos empreendimentos.
Ao longo do projeto, tenho aprendido muitas lições de generosidade, persistência, profissionalismo… Além disso aprendi a plantar árvores (risos). Apesar de ser bióloga nunca tinha aprendido antes a plantar árvores como deve de ser. E foram as pessoas que estão no projeto que me ensinaram (os técnicos do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, os sapadores florestais…).
Tento transmitir aos voluntários que para fazer e manter uma floresta nativa não ‘basta juntar água’. E essa é uma mensagem difícil nos dias que correm, nos quais estamos muito habituados às recompensas imediatas. As árvores que plantamos hoje só terão tamanho de árvore daqui a 20 anos (se tudo correr bem).
Para ajudar a natureza a regenerar precisamos de plantar as árvores nativas, limpar vegetação em excesso, eliminar algumas plantas infestantes que surgem nas áreas em recuperação, substituir algumas árvores que não sobrevivem… Não é um trabalho que termina mas que começa com a plantação da árvore. E talvez seja esse um dos ‘calcanhares de aquiles’ deste projeto: é preciso comprometer-se com as suas árvores ao longo do tempo, saber esperar para ver resultados e ter consciência que no nosso tempo de vida podemos não ver a floresta que estamos a criar agora…
Também é importante tomar consciência que as árvores estão muito mais ligadas a nós cultural, económica e espiritualmente do que percebemos no nosso dia a dia. Mas este é um trabalho de casa que eu própria estou ainda a fazer. Por exemplo, o champagne inventado no século XVII existe porque o seu inventor - o abade Pierre Perignon - que experimentou selar as garrafas com uma tampa de cortiça (só depois deste momento se generalizou o uso da cortiça como vedante de bebidas). Outro exemplo: quando precisamos de afastar algo mau temos por hábito bater na madeira. Esse é um atavismo religioso que procura nas árvores o favor dos deuses que nelas vivem. Enfim, há milhares de exemplos que ligam profundamente a nossa vida às árvores e às florestas.
No nosso projecto, queremos, por um lado, demonstrar que as árvores e florestas nativas são fundamentais para melhorar a nossa qualidade de vida na área metropolitana e relacionam-se diretamente com questões como competitividade, coesão social, mudança de estilos de vida (saúde) e alterações climáticas. Por outro, e pela experiência em si, tentamos mostrar que criar florestas nativas é um trabalho de todos (entidades competentes e cidadãos em colaboração).
Quando estou a plantar e a tratar das árvores não penso, quero dizer, a minha cabeça fica livre e isso traz-me uma grande sensação de serenidade. É uma forma excelente de relaxar. Sempre que vou para atividades de plantação tenho que acordar ao sábado de manhã cedo, muitas vezes em dias frios e com chuva… Custa um bocadinho. Mas quando regresso a casa depois da atividade sinto que fiz algo de realmente útil, que partilhei estes momentos com pessoas fantásticas, e isso faz com que o resto do dia seja muito melhor.
Ter ganho o prémio Terre de Femmes da Yves Rocher em Portugal não foi mais do que um reconhecimento do excelente trabalho das várias pessoas envolvidas neste projeto, sejam os meus colegas na universidade, os voluntários, os técnicos das autarquias e associações, os sapadores florestais...
Desenhar o projeto desde o zero tentando reunir a experiência, os recursos, a agenda de tantas entidades diferentes, num total de trinta e cinco, foi diferenciador. Fazer um desenho colaborativo do projeto de modo que se pudesse implementar sem custos diretos. O que também tentamos fazer, e que possivelmente distingue o projeto, é reunir resultados quantitativos e qualitativos e partilhá-los com os envolvidos e com a comunidade em geral. Há um terceiro elemento diferenciador: a coordenação do projeto está na universidade (neste caso na Universidade Católica do Porto) e não numa entidade pública ou numa associação e esta posição permite um estilo distinto de mediação.
Eu comparo a sensibilidade das pessoas às questões ambientais com o que observo no Facebook. Se há alguém que põe uma bonita imagem e frase sobre o valor da natureza, da justiça social, da necessidade de mais democracia é capaz de ter milhares ou milhões de ‘likes’. Se há alguém que coloca um pedido concreto e pede colaboração essa participação virtual diminui drasticamente. E já nem falo da participação real, que ainda é mais reduzida. E digo-o por experiência. Em conclusão, a atitude positiva em relação à proteção ambiental, à justiça social, à democracia está lá. Mas para muitos ainda não se converteu em comportamentos. Arregaçar as mangas e fazer a diferença dá trabalho, exige mais de nós próprios e, por uns motivos ou outros, falta ainda a ação.
E sinceramente todos precisamos de ter consciência que se as pessoas não se envolvem nas causas não podem esperar que os decisores políticos o façam. Quero dizer, se os decisores, por exemplo nas câmaras municipais, afetam recursos humanos e físicos a um projeto e depois as pessoas não aparecem, não mostram interesse, não se envolvem, qual é a leitura que o politico faz?
Laboratório ou “mãos na terra”? Mãos na terra, sem dúvida. Trabalhei dois anos num laboratório, enquanto fazia mestrado na Universidade de Aveiro, e apesar de ter feito um trabalho autoproposto do qual gostei e de estar rodeada de pessoas muito talentosas e profissionais creio que não voltaria a fazê-lo. A bata branca e o ambiente estéril do laboratório deprimem-me (risos).
O projecto “Futuro”vai sendo auto-sustentável enquanto estiver a ser desenvolvido no âmbito do CRE.Porto e com a colaboração de tantas entidades distintas. Cada uma afeta uma quota de recursos à implementação do projeto. Mas é naturalmente um desafio que nos ocupa a cabeça neste momento.
Qual o futuro que vê para este projecto? Ter FUTURO :) Queremos continuar a recuperar áreas com floresta nativa .
Photos © Mafalda Pessoa Jorge